Onde estamos

                     “Não estamos no mesmo barco, mas na mesma tempestade."Amyr Klink[i]      
              Tempos sombrios.  O tempo nos situa a partir de parâmetros de reconhecimento diante de qualquer percepção. Porém, a fim de nos situarmos no espaço necessitamos diferenciar fronteiras e direções. Uma bússola ou um mapa não mostram apenas onde estamos, mas nos apresenta onde está o Norte, onde está o Oriente, onde está o outro... Diante das incertezas reveladas pela Pandemia, precisamos abandonar o desejo de nos situarmos no tempo a partir de  falsas previsões de futuro, mas nos reencontrarmos  no espaço em relação aos humanos.
           
Foto: Reprodução
A frase de Amyr Klink foi sabiamente pronunciada em programa no canal CNN Brasil, O Mundo Pós Pandemia: ‘Não estamos no mesmo barco, mas na mesma tempestade’.  A angústia de tempos traumáticos nos impulsiona a imaginar o futuro a partir de duas perspectivas: como uma repetição do passado ou como uma falência de certezas. Observamos a resistência a nos equilibrarmos num lugar contemplado pela incerteza e a repetição da ideia de que tudo vai passar, presente tanto no desejo de voltar ao normal, quanto na presença de uma ideia de ‘novo normal’. O normal, seja ele velho ou novo, busca uma estabilidade de rotina, uma regulagem pela repetição. Cabe destacar que estávamos anestesiados pela banalidade da desigualdade reconhecida como natural.
             A concepção de que resistimos à mudança foi, ao longo da obra freudiana, uma abertura cada vez mais radical a considerar que uma compulsão a repetir nos aprisiona, principalmente se o que está além do umbigo não for considerado. Nos descentrarmos do nosso barco pode nos situar na tempestade. De outro lado, reafirmando que estamos todos no mesmo barco nos faz acreditar que todos irão se salvar ou afundar juntos, na ilusão de que não há desigualdades. Esse não parece ser o alicerce da ética, mas o eixo do argumento que conta com o outro como um objeto de uso.  Perceber o semelhante implica respeitarmos diferenças sem reforçar desigualdades.
Foto: Reprodução
Estamos no mesmo planeta com um vírus capaz de atingir a todos, porém, em lugares diferentes. Considerar o outro nesse momento é muito mais do que cuidar para não contrair ou transmitir Covid 19, mas é ocupar-se com uma contribuição para esse momento, onde o egoísmo a manter aparências e a solidariedade de quem possui um recheio existencial ficam muito iluminados por relâmpagos. Essa tempestade irá passar, desejamos que o movimento dos ventos e das águas possa fertilizar mudanças mais profundas do que novas versões de antigas crueldades. Portanto, sejamos radicais no reconhecimento de nossas resistências, sem culpa, mas com responsabilidade pela mudança que nos faz coerentes com um tempo que não volta para trás.   
Simone Engbrecht - psicanalista



[i] Amyr Klink cedeu entrevista a CNN Brasil – O Mundo Pós Pandemia em 3 de junho de 2020.

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