Servidão ao tempo
Escutando a belíssima canção de
Gilberto Gil que completou nessa semana 78 anos, faço eco, como homenagem, a
alguns trechos: ‘Tempo rei. Não me
iludo. Tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo. Transformando...Não
se iludam. Não me iludo. Tudo pode estar por um segundo’.
Gambá se defendendo através de paralisia imagem: Blog Marsupiais Brasileiros |
Somente o processo de luto transforma
os sujeitos, porque eles percebem a realidade perdida, diferente dos
melancólicos, e possuem a energia necessária para uma[i]
mudança interna. A questão que nos convoca esse vírus letal é exatamente a
econômica, e aqui não estamos falando da financeira, mas dessa energia, de um
excesso que transborda em angústia. O vazio que, antes do Covid-19, era
revestido por uma aparente felicidade, por uma condição de consumidores autorizados
a consumir para existir, está agora impedindo a quietude necessária para que muitas
pessoas observem a sua inserção num coletivo humano. A depressão já estava
instalada, porém disfarçada.
Foto: Reprodução |
‘Não
se iludam. Não me iludo. Tudo pode estar por um segundo.’ Esse é
o segundo transformador, aquele que nos mostra o que mudou na realidade, o que
já perdemos e necessitamos dizer um NÃO para adquirirmos força para virar a
página. Para construirmos projetos para um agora. Fazer luto de pequenas coisas ou grandes
pessoas acontece quando percebemos que produziram a transformação de nossa
memória. Como uma memória ressignificada, portanto, tomaremos atitudes que não precisam
mais preencher um vazio dentro de nós, mas transformar as velhas formas do
Viver.
Simone
Engbrecht-
Psicanalista
[i]
Luto e melancolia[1917(1915)] é um texto de Sigmund Freud que compõe os seus
artigos sobre metapsicologia.
[ii] O
Futuro de uma ilusão(1927), texto de Sigmund Freud.