Responsabilidade diante da impotência

                                "Damos voltas e voltas, mas, na realidade, só há duas coisas: ou escolhes a vida ou                                                                                                                               afastas- te dela." José Saramago

Ao reconhecer o Inconsciente, como um sistema no interior do psiquismo, a Psicanálise formulou uma maneira de compreensão da memória, no século passado, e propiciou uma abertura para a complexidade do pensamento diante da fragilidade inerente à condição humana. Não basta afirmarmos a existência de desejos inconscientes habitantes em nossa existência, é preciso nos responsabilizarmos pelo que não sabemos, pelo que não temos consciência, tendo uma postura sempre investigativa e aberta à modificação de nossas hipóteses não confirmadas.

Imagem: site Dinâmica Ambiental
Durante essa Pandemia de Coronavírus, o invisível enlaçou duas formas com as quais o sentimento de culpa se apresentam conforme a teoria freudiana. A angústia presente diante da finitude, muitas vezes, nos torna conscientemente onipotentes e culpados por tudo aquilo que não controlamos, isso porque inconscientemente deve ficar guardada toda a raiva provocada por tantos limites. Quanto mais a impotência diante do futuro, que foi sempre incontrolável e que hoje apresenta os seus enigmas com maior clareza, maior  o desejo de ser proprietário de algo, mesmo que seja da ilusão onipotente de que tudo acontece porque desejamos. O segundo caminho tomado pelo sentimento de culpa acontece quando ele próprio é inconsciente e dá a notícia consciente de sua vigência pelo castigo que provoca. São os boicotes que realizamos sem saber muito bem o que os causou. Lidar com ideais que não conseguimos atingir, e nem termos cicatrizado  as feridas por eles provocadas, nos deixaram, antes mesmo dessa pandemia, consumidores de encontros, de pessoas, de objetos, que tentavam dar conta de pequenos lutos e tristezas. Hoje, é como se a falta dessa capa que encobria a nossa pequenez diante da vida tivesse sido arrancada por grandes lutos que necessitamos fazer.

Foto: Reprodução

Um período de mudança é o que estamos vivendo. Sem o julgamento se é uma mudança para melhor ou pior, a mudança acontece no momento presente. Todos estão confrontados com um turbilhão de informações e aquisição de novas rotinas. Ao refletirmos sobre o nosso sentimento de culpa, seja ele consciente ou inconsciente, nos deparamos com a nossa impotência diante do vírus. Se lidarmos com responsabilidade e não com culpa, iremos nos alicerçar na pequena parte que conhecemos e não no desejo de nossa onipotência. Ilusões não são bem vindas nesse momento, pois podemos nos machucar por autopunição inconsciente.


Todos sabemos que podemos ser transmissores, que a máscara, a higiene e o distanciamento social auxiliam no combate ao contágio. Essa é a nossa responsabilidade:  lidar com o luto de nosso narcisismo que nesse momento está ferido e precisa de cicatrização e não de negação de tristezas ou curativos que o deixam inflamar de maneira melancólica. Nem culpados, nem vítimas, é preciso lidar com responsabilidade e coerência com quem somos e com quem pretendemos nos tornar.

Simone Engbrecht- psicanalista

 

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