Flexibilidade com a Fragilidade
“Igualdade não significa que todas as pessoas sejam iguais. Seria o fim da civilização se todos fôssemos iguais. Igualdade é cada ser humano ter o mesmo direito a ser diferente, cada civilização, cada gênero, cada grupo, cada fé deve ter o direito de ser diferente.” Amós Oz
Há
muitos provérbios utilizando o bambu como metáfora para elogiar a flexibilidade
diante do vento, como a necessidade de desfazer a rigidez diante das mudanças.
Nesses tempos sombrios, estamos sendo exigidos a tornar o que não é natural,
uma rotina. A higiene e o distanciamento social podem ser mudanças as quais
tenhamos que nos adaptar, e até poderão ser incorporadas a hábitos futuros.
Porém, associarmos uma doença diretamente à morte pode tornar a ideia de grupo
de risco cada vez mais obscura, e a perda de uma pessoa pode se assimilar a um
descarte indolor.
Foto: Reprodução |
Na nossa história recente, quando surgiu o HIV, a contaminação e a morte estavam tão fortemente associadas que o pânico produziu o delírio de que qualquer proximidade era um risco e o preconceito diante das diferenças tornou os humanos muito cruéis. Hoje, a prevenção e o tratamento desse vírus são mais conhecidos, porém os preconceitos diante do que desconhecemos, a falta de respeito ao pensamento investigativo fermentou uma massa com raciocínio contagiado pela paralisia de uma servidão.
Observando a imagem do bambu, estamos atentos as suas raízes.
Foto: Reprodução |
Elas trabalham em parceria com a sua possibilidade dessa planta curvar-se, sem perder a sua posição. Em psicanálise, diferenciamos conceitualmente a fragilidade da submissão[i]. Em 1915, Freud escreveu sobre a transitoriedade, sublinhando que o valor das coisas está na escassez do tempo. A confrontação com a ideia de finitude nos questiona sempre sobre o sentido do que fazemos da nossa vida no momento presente. Não temos em nossa memória nenhuma marca de morte, pois, enquanto vivos, não a experimentamos como própria. Sentimos na carne a falta e a perda dos outros, mas não, a nossa morte. Acreditamos nela somente de maneira racional. As vivências que balançam os nossos troncos podem provocar um sentimento inquietante[ii]. Porém, quando possuímos raízes e uma crença no desconhecido, nas pesquisas, nos posicionamos a favor do espírito científico.
Saber
de nossa impotência e nossa fragilidade nos transforma em seres flexíveis, sem
secar a seiva que nos movimenta para a vida. É preciso muita coragem para
perceber que estamos todos em risco, que temos medo de perder quem amamos. É
essa coragem, de não negar a nossa finitude, que nos impulsiona a não nos
perdermos de nós mesmos, para nos inspirarmos no coletivo e respirarmos
acreditando nas incertezas. Nos focarmos no que pretendemos transmitir nos
posiciona pelas raízes no solo e abrirmos espaço para as investigações pode nos
conectar com a nossa fragilidade diante do que não sabemos, assim podemos
seguir como bambus flexíveis, sem nos abandonarmos, diante do furacão de 2020.
Simone Engbrecht - psicanalista