Sexualidade e a fantasia de que vivemos

                             “A única maneira de manter uma fantasia intacta é não vivê-la.” Amós Oz

   Freud investigou o que havia nos humanos que ultrapassava o seu comportamento como norma, a sua consciência, e assim formulou o objeto de estudo da Psicanálise; O Inconsciente. Na tentativa de compreensão desse conceito, observamos historicamente a resistência a essa ferida narcísica que revela o quanto desconhecemos o nosso Ser. E, mais forte foi, e ainda é, o repúdio a um outro conceito: a sexualidade.

        

        Se no início do século XX, não negar que havia uma sexualidade infantil, um prazer  além do sexo genital, transformou-se num desafio, no século XXI, a contribuição dessa descoberta feita pela psicanálise ainda enfrenta uma grande barreira para ao indivíduos: a obediência à massa.

       A servidão ao consumo não acontece apenas porque cada pessoa se torna um usuário de produtos concretos, mas para que o ideal de felicidade de cada um seja traçado a partir de metas cumpridas: namorar, estudar, trabalhar, casar, adquirir bens, ter filhos, viajar... Alguém poderia se perguntar, mas a vida não é isso? Não é isso que acontece entre o nascimento e a morte? É nesse ponto que entra o conceito de sexualidade para Psicanálise. A nossa existência não está apenas em ações autômatas.

        

Foto: Reprodução
Em 1920[i], a apresentação da teoria sobre a pulsão de morte contribuiu para uma virada nas ideias sobre o masoquismo e, portanto, sobre a sexualidade. Há uma tendência nos humanos a retornar a um estado anterior. O que seria o estado anterior à vida? Pode ser a morte, e pode ser a morte em vida, ou seja, a nossa não existência. É fundamental observarmos por onde anda o nosso desejo de existir através de cada momento em que respiramos. E nos questionarmos sobre a força que nos leva a cumprir etapas da vida como se fizéssemos um checklist de sucessos e fracassos, medidos, pelos alívios expirados. Muitas vezes, pela ausência de reflexão sobre as várias formas  que possuímos para tornar a nossa vida mais própria, somos obediente à crença de que ‘a vida é assim’, como se houvesse um único caminho. Porém, que cada um observa e experimenta é muito singular. Quando o diferente deixa de ser um simples sinal de comparação para se tornar uma existência especial e única, a sexualidade pode ser percebida com a vitalidade inserida em cada segundo.

         Percebemos o quanto, com freqüência, o processo de envelhecimento é associado a falta de sentido em viver. Seria um engano pensar que há um desânimo como resultado da evidência da finitude. O que se perde ao envelhecer é o bloquinho do checklist, porém ele já poderia estar de lado e atribuído a sociedade do espetáculo[ii] em qualquer tempo.  Parece que deixar de cumprir etapas como se fossem tarefas já apresenta uma dificuldade em existir. No desamparo da existência, alguns obedecem à sociedade que escreve o seu papel; outros procuram reescrever a sua história todos os dias, tendo prazer em olhar para o passado sempre sob outro ponto de vista, pois seguem caminhando e traçam novas narrativas sobre o que estão experimentando. Cada novo segundo é inovador e não foi ainda vivido por ninguém. Deixemos o Checklist só para medidas de proteção e automáticas. Na vida, o contrário da obediência não é a transgressão, mas a responsabilidade por sua liberdade.

Simone Engbrecht- psicanalista


[i] Além do Princípio do Prazer, texto de Sigmund Freud escrito há cem anos atrás e que formula o conceito de pulsão de morte.

[ii] Sociedade do espetáculo é um conceito trabalhado por Guy Debord.

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