Antes do sinal verde, é preciso atenção

                                                                       "Narciso acha feio o que não é espelho" Caetano Veloso

‘As uvas estão verdes’[i] e ‘a grama do vizinho é  sempre mais verde’[ii] são dois lados de uma mesma moeda. Aparentemente racionalizações que se utilizam de simples comparações. Se ainda não está maduro e se está mais o menos viçosa, a cor verde, mistura entre a cor azul do céu e o amarelo dourado de lindos Narcisos,  também sinaliza uma porta de saída: uma fuga para o desvalor.

Foto: Reprodução

Um desejo não é sustentado por sua satisfação, mas pela capacidade com que uma pessoa consegue se posicionar diante de suas frustrações. Quando o nosso esforço é insuficiente para alcançarmos um determinado objetivo, é necessário encarar com atenção as feridas a fim de realizar uma cicatrização, uma virada de página na história. Queríamos não ter limites, mas eles demarcam a nossa identidade. Acreditar que basta querer para conseguir não é uma frase motivadora, mas enganosa.  Não é a força de uma vontade que determina que ela seja realizada ou deixe de existir.  Persistir ou desistir. Os desejos sempre irão insistir, cabe a nós escolhemos o que faremos diante de uma frustração. 
Foto: Reprodução

Procurar diminuir, sem sucesso, os nossos desejos através da tentativa de desqualificação do que não foi possível realizar pode ocorrer por uma falta na autoestima. Freud[iii] percebeu que no luto, diferente de um estado melancólico,  não há baixa de autoestima, porque se encara de frente uma perda na realidade. Na melancolia, tanto a recriminação encobre qualquer possibilidade admiradora que possamos ter dos ‘vizinhos’, aparecendo, em seu lugar: a inveja; quanto, também pela recriminação, não há possibilidade de desejar, por temor a se frustrar e se culpar por causa disso. 

Foto: Reprodução

É complexa a maneira como lidamos com nossos ideais. As idealizações são o sinal vermelho de que a ambivalência está atrapalhando. Perceber que somos humanos e não Narcisos escancara o caminho. Nele, observamos que desejamos uvas e elas não estão verdes, talvez nós e que necessitamos amadurecer e, somente então, mais adiante nesse trajeto, obtemos o prazer em admirar a grama do vizinho sem uma comparação. Os ‘pré conceitos’, como o termo já indica, acontece quando possuímos conceitos verdes e teimamos que eles já estão formados; quando não toleramos a diferença, porque nossas idealizações fazem com que estejamos em uma guerra. Nela, se compete por quem se afunda primeiro no Lago[iv]. O tempo é necessário para não se iludir com o verde, sem antes perceber o Narciso amarelo dentro de nós.

Simone Engbrecht- psicanalista


[i] ‘As uvas estão verdes’ é a explicação que a Raposa utiliza na fábula de Jean La Fontaine (1668-1694) para encobrir a ideia de seu limite em alcançá-las.

[ii] ‘A grama do vizinho é sempre mais verde’ é um ditado popular.

[iii] Luto e Melancolia, texto de 1915 e publicado em 1917.

[iv] Um referência ao mito de Narciso,  a imagem que enxerga no Lago o afoga.

Postagens mais visitadas deste blog

O Antigo na Inovação

A Madrasta Da Branca De Neve Foi Naturalizada Como Alguém Que Envelhece

A Finitude o o Envelhecimento