Proporções

                                                                     Já viu um fanático com sentido de humor? Amós Oz

         É comum retornarmos a lugares familiares depois de algum tempo e termos a impressão de que os espaços diminuíram de tamanho. É interessante essa mudança de ponto de vista. Não apenas o nosso corpo aumentou de tamanho, mas a dimensão de importância que damos para algumas lembranças direciona para a proporção da caixa de memória em que deixamos elas guardada. Pequeno e grande, muito e pouco, menor e maior: tantas comparações.

        

Foto: Reprodução

O tema das proporções é interessante frente a contradições entre o excesso de estímulo e a falta de representatividade da memória. Vivemos em um momento em que, por um lado, há uma tempestade de informações e, por outro, uma carência de argumentos em discussões sobre os acontecimentos. Talvez porque a metabolização do que ingressa no psiquismo com muita intensidade necessita de mais tempo. Falando em tempo, a consciência de sua passagem então é mais curiosa ainda no que se refere à proporcionalidade. Um final de semana onde descansamos, viajamos e saímos de nossa rotina pode representar um período grande na nossa sensação, como se a sexta-feira anterior a nova semana tivesse ficado muito para trás. Já um mês onde sentimos muita angústia e pressa por terminar tarefas pode passar com velocidade e nos perdermos no calendário.

         Diante das pequenas diferenças, Sigmund Freud refletiu sobre o nosso narcisismo e percebeu que o humor somente é construído quando podemos nos distanciar de nosso eu e relativizarmos a dimensão de nossa própria fragilidade, sem perdermos a empatia com ela. Utilizamos como inspiração a pergunta formulada por Oz, pois pretendemos diferenciar o humor do deboche maldoso. O humor não machuca, pois ele não mascara preconceito com a fragilidade. Rir da dor alheia é marca do sadismo e da crueldade e não é humor, pois o foco não está na temática da diferença de tamanho, mas na indiferença para com o semelhante. 

Foto: Reprodução

         Estamos experimentando um ano onde as nossas lembranças estão sendo revisitadas e estamos redimensionando a importância da vida. Um vírus de 10 a 300 nanômetros causou estragos mundiais e tornou a nossa percepção de vulnerabilidade abalada. A transitoriedade ressignifica o valor que podemos dar a pequenos gestos, porém infelizmente dá espaço para que a crueldade seja descarregada com mais potência.

         Estamos muito perto do risco de morte e as proporções de quase tudo está em transformação. A repetição é uma tendência, estejamos atentos a fim de observarmos que o fanatismo pode nos aprisionar em falsas promessas de progresso através de mudanças que destroem. Precisamos nos distanciar de nós mesmos para nos observarmos com mais leveza, mas sem criarmos um preconceito com a nossa pequenez. Tempo para revisitarmos lembranças e redimensionarmos sentidos.

Simone Engbrecht - psicanalista

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