Proporções
Já viu um fanático com sentido de humor? Amós Oz
É comum retornarmos a lugares familiares depois de algum
tempo e termos a impressão de que os espaços diminuíram de tamanho. É
interessante essa mudança de ponto de vista. Não apenas o nosso corpo aumentou
de tamanho, mas a dimensão de importância que damos para algumas lembranças
direciona para a proporção da caixa de memória em que deixamos elas guardada. Pequeno
e grande, muito e pouco, menor e maior: tantas comparações.
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Diante das pequenas diferenças, Sigmund Freud refletiu sobre o nosso narcisismo e percebeu que o humor somente é construído quando podemos nos distanciar de nosso eu e relativizarmos a dimensão de nossa própria fragilidade, sem perdermos a empatia com ela. Utilizamos como inspiração a pergunta formulada por Oz, pois pretendemos diferenciar o humor do deboche maldoso. O humor não machuca, pois ele não mascara preconceito com a fragilidade. Rir da dor alheia é marca do sadismo e da crueldade e não é humor, pois o foco não está na temática da diferença de tamanho, mas na indiferença para com o semelhante.
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Estamos experimentando um ano onde as nossas lembranças
estão sendo revisitadas e estamos redimensionando a importância da vida. Um
vírus de 10 a 300 nanômetros causou estragos mundiais e tornou a nossa
percepção de vulnerabilidade abalada. A transitoriedade ressignifica o valor
que podemos dar a pequenos gestos, porém infelizmente dá espaço para que a
crueldade seja descarregada com mais potência.
Estamos muito perto do risco de morte e as proporções de quase tudo
está em transformação. A repetição é uma tendência, estejamos atentos a fim de
observarmos que o fanatismo pode nos aprisionar em falsas promessas de
progresso através de mudanças que destroem. Precisamos nos distanciar de nós
mesmos para nos observarmos com mais leveza, mas sem criarmos um preconceito
com a nossa pequenez. Tempo para revisitarmos lembranças e redimensionarmos sentidos.
Simone Engbrecht - psicanalista