Alarme pela vida

                                                     "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara" José Saramago 

Estamos vivendo um tempo onde milhares de vidas estão sendo perdidas diante dos nossos olhos. Inicio ao som do alerta da epígrafe o livro  Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago: Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. O alarme da angústia diante da morte está tocando, como a sirene de tantas ambulâncias. Faz-se necessária uma ação fraterna urgente. Aquela que emerge diante da fragilidade de quem precisa respirar.

Foto: Reprodução

A fraternidade[i], enquanto uma revolução amorosa possível, expande o espaço para a responsabilidade diante do desamparo comum e do desafio na busca por ações que estejam situadas  em relação ao sofrimento dos semelhantes.

Ouvimos afirmações sobre os acontecimentos presentes nessa pandemia. Diante do excesso de dor, faz-se necessária a distinção entre opinião e argumento. Possuímos opiniões sobre nossas posições na vida cotidiana, sobre nossos gostos e sensações, no entanto, os argumentos são aqueles produzidos pela pesquisa científica e que compõe a rede de conhecimento utilizada quando a confiança nos profissionais nos indica os caminhos que não conseguimos trilhar de maneira individual.

Ao ouvirmos acusações diante do problema da falta de leitos em UTI necessitamos ler que dois a cada três pacientes intubados em UTI morreram a fim de escutarmos a gravidade do risco de contaminação[ii].  Escutamos o alarme de que é necessário agir para prevenir o contágio. Entidades médicas lançaram um manifesto reforçando a necessidade do uso de máscara[iii]. Nesse momento, não há como relativizar as únicas medidas que possuímos como enfretamento do vírus antes da realização da vacinação em massa.

         Joel Birman[iv] trabalhou a compreensão de que a ética da fraternidade surge na percepção de insuficiência e precariedade que cada sujeito reconhece em si e no semelhante. Por outro lado, a autosuficiência aparece na cegueira de uma formação ilusória na qual o homem se vê como centro de todas as coisas. Margareth Dalcomo nomeou como ‘saquinhos de ilusão’[v] a distribuição da promessa de um tratamento precoce para o Covid-19. Esse é um exemplo de um argumento médico, onde são as pesquisas científicas que demonstram não só a ineficácia da utilização de alguns medicamentos, quanto  também o seu custo.

Foto: Reprodução

         A criação das vacinas representa o início do caminho da possibilidade de vencermos o vírus. Mesmo em uso, seguirão vivas as pesquisas, porque a ciência, ao contrário de uma ilusão, não exige uma confiança cega, mas perguntas bem diferenciadas de desconfiança. As perguntas procuram por argumentos daqueles que investigam e não opiniões encontradas em respostas que apenas aliviam a falta de informação daqueles que  procuram recompor a sua fragilidade sem solidariedade.

         Apenas de maneira coletiva a utilização das vacinas poderá cumprir a sua função de nos imunizar em relação ao vírus. Estamos vendo um número imenso de mortes, olhando para a falta de pessoas e sentindo um vazio. É urgente repararmos os laços fraternos para que a humanidade adquira imunidade diante da barbárie e da falta de respeito ao semelhante.

Simone Engbrecht- psicanalista   



[i] Estaremos utilizando aqui o conceito de fraternidade abordado em ENGBRECHT, Simone. Quando o amor se torna revolucionário; o amor nos dias de hoje – o desafio da fraternidade. In: BRÍGIDO, M.A. da S.; HERBES, N.E.; HEIMANN, T. (orgs). Amor em Relação: reflexões sobre o amor numa perspectiva multidisciplinar. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2018. p.123-133. 

[iv] BIRMAN, J. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

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