O Clima está frio ou pesado
“Não importa se a estação do ano muda... Se o século vira, se o milênio é outro. Se a idade aumenta... Conserva a vontade de viver, Não se chega a parte alguma sem ela." Fernando Pessoa
Falamos
sobre o clima quando estamos a fim de desviarmos de algum assunto ou de um
silêncio constrangedor: um elevador metafórico, um contato com um estranho. Esse
é o tempo da frieza, da indiferença ou da superficialidade. Tentaremos quebrar
o gelo.
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Clima é um termo interessante, algo que corresponde a uma localização espacial e temporal, a estações do ano. Em meu livro sobre Depressão[i], associamos a depressão ao tempo relativo ao clima e ao calendário; ao tempo no qual não conseguimos estar: o momento presente. Esse é o tempo da melancolia... uma angústia que antecipa uma finitude ainda não experimentada, ou uma vida comparada a um passado vivenciado apenas no ‘e se’: e se eu tivesse...um remorso ou um fantasma por aquilo que não aconteceu no passado.
Os humanos alcançaram a beleza de regiões áridas e também a possibilidade de muita investigação no isolamento da Antártida, construindo uma proteção diante do clima. Alimentos, vestimentas e habitação adequados não tornaram as baixas temperaturas a causa direta de uma hipotermia, por exemplo. Nas relações, porém, parece que ainda estamos acostumados a uma desculpa de troca térmica direta no campo amoroso. A busca pelo amor correspondido revela indivíduos que possuem a medida da sua entrega no que recebem, doam afetos com uma promessa de retorno. Possuem um contador para uma viagem pseudo amorosa. Nos questionamos: porque, nesse campo, o humano acredita natural essa prostituição do amor transformado em moeda de troca?
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Tal
como nos inspira Carlos Drummond de Andrade, o amor é privilégio de maduros. Maduros
amam porque se sentem enriquecidos internamente, doam porque são solares. A
indiferença não nos protege do frio, pelo contrário: ela alimenta o regresso a
nossa imaturidade, ao tempo em que dependíamos de uma homeostase uterina.
“Ás vezes, o nosso destino parece com uma
árvore frutífera no inverno. Como poderia, com uma aparência tão triste,
podermos pensar que esses galhos hirtos e ramos secos de novo floresçam e dêem
frutos na próxima primavera.” Essa frase está no museu
dedicado à Johann Goethe. Em tempos sombrios como esse, escutemos essa frase e
observemos o que há de verde e primaveril dentro de nós.
Sejamos
maduros e independentes, porém, não indiferentes. Aproveitemos o frio, para
observar o contraste do que acontece no nosso interior, solidariedade e desejo
de entrega. A primavera está sempre pronta dentro dos seres vivos no inverno. Cultivemos
o amadurecimento, mesmo em tempos sombrios. Que possamos ser mais leves.
Simone
Engbrecht -
psicanalista